REVOLTA DA VACINA
NICOLAU SEVCENKO

1- Acompanhava esses jovens oficiais, base do movimento que culminou na proclamação da República, toda uma enorme gama de setores sociais urbanos, representada por trabalhadores do serviço público, funcionários do Estado, profissionais autônomos, pequenos empresários, bacharéis desempregados e pela vasta multidão de locatários de imóveis, arruinados e desesperados, que viam o discurso estatizante, nacionalista, trabalhista e xenófobo dos cadetes como sua tábua de salvação.
2- O argumento do governo era de que a vacinação era de inegável e imprescindível interesse para a saúde pública. E não havia como duvidar dessa afirmação, visto existirem inúmeros focos endêmicos da varíola no Brasil, o maior deles justamente na cidade do Rio de Janeiro.
3- Em 5 de novembro de 1904, foi criada a Liga contra a Vacina Obrigatória, como reação à medida aprovada em 31 de outubro. Uma dentre muitas que se disseminaram na imprensa carioca, a charge ao lado mostra o senador Lauro Sodré e o personagem popular “Zé Povinho” contra o sanitarista Osvaldo Cruz e o presidente Rodrigues Alves.
4- Sua importância para os amotinados provinha de a Liga significar, naquele momento de irresolução, um núcleo aglutinador de energias e decisões práticas. Os líderes da Liga perceberam isso com clareza e procuraram lançar temerariamente a multidão na ação insurrecional, por meio de discursos inflamados que pretendiam levar o movimento às últimas consequências. Mas, uma vez precipitada a avalanche, a Liga perderia completamente qualquer meio de controle sobre a revolta que ajudara a desencadear.
5- O governo, submerso no caos da desordem, lançou mão de todos os recursos imediatamente disponíveis para a repressão. Como a força policial não dava conta da situação, passou a solicitar todos os reforços possíveis das tropas do Exército e da Marinha. Não foi suficiente. Precisou chamar unidades do Exército acantonadas em regiões limítrofes: fluminenses, mineiras e paulistas. Ainda assim não bastou. Teve de armar toda a corporação dos bombeiros e investi-la na refrega. Mas a resistência era tanta que precisou apelar para recursos ainda mais extremados: determinou o bombardeio de bairros e regiões costeiras por suas embarcações de guerra.
6- O Comércio do Brasil, ultra-agressivo e financiado pelos monarquistas, era o principal órgão de agitação do grupo conspirador. Os monarquistas, incentivando o conluio e mantendo a agitação antigovernamental na imprensa, esperavam herdar o poder como os únicos elementos capazes de restaurar a ordem, uma vez estabelecido o caos pelo confronto entre as duas facções republicanas.
7- NAQUELA MESMA MADRUGADA EM QUE SE CONSUMAVA POR FORMA tão
desastrosa o motim da praia Vermelha, já se reiniciavam, com dobrada violência, os
choques sangrentos entre a turba agitada e os contingentes da força policial e do
Exército que por toda a parte se moviam em operações arriscadas. O tropel da
cavalaria em cargas violentas e o fragor dos tiroteios iam-se tornando familiares ao
ouvido. O mesmo espetáculo desolador do sangue correndo, tombando seguidamente
mortos e feridos. A força, que tentava aproximar-se dos vários redutos, recuava com
frequência sob saraivadas de projetis de toda a natureza: balas, garrafas, latas vazias,
pedras, pedaços de pau. A cidade havia sido dividida em três zonas militares, para maior eficácia do policiamento: a primeira, compreendendo todo o litoral, estava entregue à Marinha, sendo à noite batida pela luz intensa dos holofotes, para que melhor pudessem ser dispersados os agrupamentos que ali se formassem; abrangia a segunda as ruas Haddock Lobo, Frei Caneca, praça Tiradentes, ruas do Sacramento e Barão de São Félix, e
estava a cargo da Brigada Policial; sob a guarda do Exército achava-se a terceira, que se
estendia pela rua Marechal Floriano Peixoto, praça da República, Estrada de Ferro São Cristóvão e Vila Isabel, isto é, Companhias de Bondes São Cristóvão e Vila Isabel.
8- Charge da época retrata Horácio José da Silva, o Prata Preta, um dos líderes da resistência popular no morro da Saúde. Estivador e jogador de capoeira, atividade então proibida por lei, ele lutou até os últimos dias da Revolta da Vacina e, segundo a imprensa da época, foram necessários cinco homens da polícia e do Exército para prendê-lo.
9- Desde a data do seu início, em 15 de novembro de 1902, o governo de Rodrigues Alves foi recebido com extrema frieza pela população do Rio de Janeiro. Ele representava inequivocamente a continuidade da administração anterior, do também paulista Campos Sales. E não nos esqueçamos da despedida estrepitosa que os habitantes da cidade lhe reservaram, quando ele passou suas funções ao sucessor.
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